Artigo | O Brasil não está acostumado a lidar com o pluralismo de ideias

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Considero que, por parte da imprensa tradicional, podemos verificar, desde a eleição de 2018 e talvez até um pouco antes, um incômodo com o surgimento de vozes discordantes

Por Paulo Kramer

Os documentos pró-democracia que inundaram a internet nas últimas semanas refletem aquilo a que já estamos habituados faz algum tempo: a guerra de narrativas. De um lado, existem aqueles líderes de opinião de esquerda que consideram o bolsonarismo, o populismo conservador e nacionalista como uma grande ameaça à democracia. Do lado oposto, os grupos de direita encaram o outro como uma cultura do cancelamento sempre disposta a censurar e a perseguir quem pensa diferente.

Considero que, por parte da imprensa tradicional, podemos verificar, desde a eleição de 2018 e talvez até um pouco antes, um incômodo com o surgimento de vozes discordantes. Tendo em vista que antes existia apenas aquele primeiro grupo acostumado a veicular os seus pontos de vista de forma que fossem considerados como um consenso aceito pela sociedade.

Um momento decisivo para essa ruptura foram os protestos de junho de 2013, em que a população se revoltou contra os gastos excessivos com os estádios da Copa do Mundo enquanto setores básicos, como Educação e Saúde, estavam sendo sub financiados. Podemos dizer ainda que o atual presidente começou a preparar a sua campanha após essas manifestações, que deram visibilidade a setores que antes não estavam representados no mercado de opiniões da população economicamente ativa.

Esse arco histórico evolui até o impeachment de Dilma Rousseff e à eleição de Jair Bolsonaro. Para a mídia tradicional, os resultados das Eleições de 2018 foram difíceis de prever e mais difíceis ainda de engolir. Ficou de um lado, a bolha dos já conhecidos formadores de opinião e, do outro, os grupos emergentes que entram para participar da política. Um choque que não se atenua nos anos subsequentes, mas que, pelo contrário, se agrava.

Outro elemento que tensiona o cenário e torna este quadro mais conflituoso é a escalada do ativismo judicial. Sobretudo, por parte de ministros do Supremo Tribunal Federal que se veem defensores, em última instância, da Democracia Brasileira contra aquilo que eles interpretam, seguindo a cartilha da imprensa, como um assalto demagógico e direitista às instituições democráticas.

Tenho reservas quanto a este diagnóstico, tendo em vista que, a história do populismo no Brasil e no restante da América Latina, mostra que esse movimento surge, muitas vezes, como uma resposta ao funcionamento deficiente das instituições representativas. Se dá um descolamento do parlamento e classe política do grosso da população, que recorre a canais alternativos de representação da sua voz chegando a apelar para figuras carismáticas, como o Bolsonaro.

O populismo não é um problema exclusivo do Brasil. Vivemos uma ascensão, em todo o mundo, de um movimento nacionalista e conservador. Um rompimento que tem provocado conflitos graves em democracias até mais sólidas que a brasileira. Em minha opinião, isso não é uma chuva de verão. É um cenário que veio para ficar. Essa também é uma percepção de cientistas políticos dos mais diversos países que afirmam que essa onda populista continuará enquanto não forem atendidas as demandas da população por uma maior transparência e credibilidade dos entes políticos.

O que se trava é um grande diálogo de surdos. Cada lado achando que está certo. Espero que as eleições transcorram em paz e considero que o destempero verbal faz parte da democracia que, por natureza, é um sistema barulhento em que deve prevalecer o contraditório. Portanto, nós, brasileiros, devemos nos acostumar com o conflito de interesses desde que este seja regulado pelas eleições para dar expressão à maioria popular.

As cartas pela democracia e o bolsonarismo representam uma diversidade de ideias à qual a nossa opinião pública não estava acostumada. Havia um consenso dos formadores de opinião que se caracterizava como sendo de centro-esquerda. Basta analisar a Constituição de 1988 que, apesar dos avanços inegáveis do ponto de vista da consolidação das liberdades políticas, também se configura como uma lei majoritariamente estatizante. Ironicamente, isso acontece às vésperas da derrocada comunista na Queda do Muro de Berlim.

Devemos então dar as boas-vindas a essas vozes já que elas representam uma diversificação no panorama da opinião pública no Brasil. São vários pensamentos e não um pensamento único. É disso que a democracia precisa.

O verdadeiro conservadorismo conserva o que é bom e rejeita o que é ruim. O conservadorismo não é imobilista, isto é, não pretende congelar a história, e muito menos reacionário, não sendo possível voltar para trás o relógio da história. Edmund Burke, pai do conservadorismo moderno, dizia que um governo incapaz de se reformar é também um governo incapaz de sobreviver. Esse debate que compreende um número maior de vozes ajuda a opinião pública a discernir melhor quais são as alternativas que estão pela frente e quais são as alternativas que nós, conservadores, devemos adotar.

*Paulo Kramer: professor doutor aposentado de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), é expert da Fundação da Liberdade Econômica. 

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