Por Francisco Cabral, especial para o Radar Condomínios – A possibilidade de o GDF derrubar mais de 500 casas construídas em Vicente Pires, na região do Altiplano Leste e na bacia do São Bartolomeu, uma informação está deixando muita gente preocupada: a de que o governador Rodrigo Rollemberg “se apega” a uma fotografia tirada por satélite do Google Earth datada do dia 15 de junho do ano passado para planejar suas ações.
Realmente, se o planejamento de derrubadas de casas construídas “irregularmente” se baseia em critérios estabelecidos a partir de uma foto apresentada no governo passado, aliás, um governo que sempre demonstrou má vontade no tocante ao processo de regularização de condomínios, é algo bastante preocupante.
Ao contrário dos que muitos pensam, uma visão área de uma região por meio do programa Google Earth não reflete necessariamente a situação real daquele local, o que pode levar o GDF a tomar decisões erradas e injustas no tocante aos condomínios em processo de regularização.
Para entender melhor a temática que envolve o assunto se faz necessário explanar um pouco sobre o tipo de serviço oferecido pelo programa Google Earth e outros similares, que oferecem a seus usuários mapas e serviços elaborados a partir de imagens de satélites.
Em linhas gerais, o Google Earth é um aplicativo para computador que se conecta por meio da Internet aos computadores do Google, para acessar a uma imensa base de dados de imagens fotográficas tiradas por satélites na órbita terrestre. Quando se digita uma localidade no programa ou se seleciona uma determinada área no monitor do computador, o que o programa faz é montar um mapa com base nos dados de existentes daquela localidade ou região.
Em geral os satélites dedicados a fornecer imagens fotográficas do globo terrestre não ficam estacionados no espaço, mas estão em movimento, naquilo que se convencionou chamar de órbita polar, ou seja, sua trajetória passa pelos polos, no eixo norte-sul, tirando várias fotos por onde passam. Conforme a Terra gira no movimento de rotação, as áreas fotografadas vão variando.
Então, as imagens obtidas são enviadas a computadores que, tal qual na montagem de um quebra-cabeças, vão juntando as fotos de pequenas áreas, que mais tarde irão formar as chamadas “imagens de satélite”, que se ver em programas como o Google Earth.
Assim, no caso dos programas de livre acesso ao público, diferentemente daquilo que vemos nos cinemas, as imagens de satélites apresentadas não são imagens em tempo real (“ao vivo”), de determinada região. Na realidade, são imagens compostas por fotos tiradas pelos satélites em algum momento anterior e que foram enviadas aos computadores das empresas responsáveis por fornecer os serviços de “fotos aéreas”.
Assim, pode acontecer que a montagem de da imagem de uma grande área, acabe sendo composta por fotos que não foram tiradas no mesmo dia, o que, por si só, não implica em algum tipo de incorreção nas informações fornecidas. É lógico que montar a imagem de uma grande área fotos de datas muito diferentes pode apresentar distorções e falhas, quando do momento de juntar estas pequenas fotos.
Desta forma, devemos ter em mente que quando o GDF declara que o planejamento de suas ações e o processo decisório a respeito de derrubadas de casas e regularização de condomínios vai se basear em fotos obtidas no Google Earth do dia 15 de junho de 2014, é preciso que se esclareça: é uma foto que reflete a real situação de construções existentes no dia 14 de junho de 2014, ou foi uma foto baixada por um funcionário do GDF no dia 14? A diferença pode ser enorme, e, se a foto que vai orientar a decisão sobre a derrubada de imóveis estiver desatualizada, várias pessoas podem ser injustamente prejudicadas.
Para facilitar a compreensão do problema que estou relatando vou apresentar algumas fotos da área em que se encontra o Condomínio Estância Quintas da Alvorada (CEQA), situado na região da bacia do São Bartolomeu. Estou defendendo alguns moradores neste condomínio e no ano passado precisei apresentar fotos aéreas de suas casas, para comprovar a posse e a ocupação de seus lotes.
Pesquisando imagens do Google Earth notei que, estranhamente, a imagem que continha a área do Condomínio Estância estava com uma coloração diferente das demais, o que denotava que não havia sido tirada na mesma época em que as demais fotos da área ao seu redor, como mostra a imagem acima, onde os limites das fotos diferentes estão circundados de vermelho.
Ao ver a imagem acima com mais atenção, pude constatar que a casa de meu cliente não estava na imagem de satélite apresentada. Aliás pouquíssimas casas apareciam na tela do computador, fato este que me intrigou, pois segundo informações do próprio condomínio, em 2014 existiam mais de 750 casas no local. Quando apresentei a imagem disponível no Google Earth à pessoas que moram no condomínio há bastante tempo, pudemos estimar que as fotos constantes da imagem do Google Earth remontam a um período anterior a 2010, apesar de ainda ser a mesma imagem disponível no programa em 2015!
Peço desculpas novamente. Talvez quem não conhece bem a região não vai entender o cenário que passo a descrever. Para se ter uma ideia melhor do problema de se utilizar uma foto desatualizada para compor uma imagem satélite de uma região, preste atenção na foto, onde se vê a região da QI 27-29 do Lago Sul. O parque Bernardo Sayão e o CEQA.
Circundado em vermelho está a área comercial da Quadra III do Condomínio Solar de Brasília. Deve-se notar que o prédio comercial está bem na junção de duas fotos do satélite: uma, à esquerda, está atualizada. Nela consta parte da área comercial do Solar de Brasília Quadra III. A outra, à direita, está tão desatualizada que onde constaria os fundos do prédio comercial, aquela parte do prédio simplesmente não aparece. Ocorre que na data em que a foto da direta foi tirada o prédio ainda não tinha começado a ser construído! Ali aparece somente um terreno descampado: vejam a imagem circundada de vermelho:
Esta imagem foi obtida no Google Earth em 21 de agosto de 2015, o que comprova que as imagens de parte da área estão bastante desatualizadas, pois até hoje não aparecem os fundos do prédio comercial, construído nos idos de 2011-2012.
Tal fato seria preocupante se julgarmos que o GDF estaria agindo de má-fé neste episódio, pois o governo poderia querer justificar a derrubada de casas no CEQA se baseando em uma foto que reflete a situação do condomínio à vários anos, e não aquela existente no local na data de 20 de junho de 2014, marco utilizado por membros do GDF como possível limite para se admitir construções naquele condomínio em processo de regularização.
Porém, neste caso, em particular, qualquer tipo de mal-entendido é perfeitamente contornável, pois acessando um outro programa de imagens de satélite, o Flash Earth (flashearth.com), a foto obtida da área do CEQA abaixo exposta está bem mais atualizada.
Após consulta realizada junto aos moradores do local, analisando-se as casas que ali aparecem, pôde-se estimar que esta foto reflete a situação do condomínio no período que compreende o final de 2013 e início de 2014. Pode-se notar, por exemplo, que o prédio comercial, cortado na foto do Google, está por inteiro nesta foto, e que o número de residências no CEQA reflete praticamente a ocupação do condomínio nos dias de hoje.
Como disse, os fatos apresentados refletem apenas a situação de um condomínio do DF. Será que existem mais incorreções em outras regiões? Será que o GDF está planejando derrubar casas cuja construção pensa ter ocorrido após o dia 20 de junho de 2014, por estar se baseando incorretamente em fotos desatualizadas ou o GDF realmente adquiriu junto a empresas de imagens satélite fotos que refletem a real situação daquela data? Com a palavra o GDF.
*Francisco Cabral, é advogado. Atua na área Cível, sendo professor de Direito Civil na Faculdade ICESP de Brasília. Email: [email protected]