
Por Denise Vargas
Os bastidores políticos do Distrito Federal estão em polvorosa. O motivo: o preenchimento de vaga de Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) em razão de uma possível aposentadoria compulsória do Conselheiro Domingos Lamoglia.
Lamoglia, que foi assessor do ex-governador José Roberto Arruda, no ano de 2009, foi nomeado no cargo de Conselheiro do TCDF, após a aprovação da Câmara Legislativa do Distrito Federal, num processo de arguição e votação de celeridade invejável a qualquer órgão.
Todavia, passados pouco mais de dois meses da sua posse na Corte de Contas, eclodiu na mídia o escândalo político investigado pela polícia judiciária numa operação batizada de “Caixa de Pandora”, tendo como um dos investigados Lamoglia.
O TCDF, diante da notoriedade do caso, instaurou o Processo Administrativo nº 41.070/2009 que resultou num afastamento cautelar do conselheiro.
Em 2014, alguns cidadãos ingressaram perante a 2ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal com a Ação Popular nº 14911-0/2014, contra Lamoglia, com o fim de obterem o reconhecimento da nulidade de atos administrativos que ocasionaram a nomeação e posse do réu Domingos Lamoglia no cargo de Conselheiro do TCDF, por ausência dos requisitos insculpidos no art. 82 da Lei Orgânica distrital, em especial, o de idoneidade moral.
A sentença julgou favorável o pleito dos cidadãos, declarando a nulidade dos atos de indicação, aprovação, nomeação e posse do réu Domingos Lamoglia cargo de Conselheiro do TCDF, por ausência de idoneidade moral para o exercício do cargo e o condenou à devolução dos valores recebidos a título de subsídios e demais vantagens pecuniárias, a contar da data de seu afastamento do TCDF.
A matéria, no entanto, ainda se encontra sub judice, já que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o Recurso de Apelação contra a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau.
Apesar disso, o TCDF, que é órgão de natureza administrativa, e não tem poder jurisdicional, está, nos autos de Processo Administrativo, apurando a viabilidade de se aplicar ao Conselheiro a sanção disciplinar de aposentadoria compulsória.
Como se sabe, os Conselheiros do TCDF, apesar de não integrarem o Poder Judiciário, têm, por conta do art. 75 da CF, combinado com o art. 82, § 4º da Lei Orgânica distrital, as mesmas garantias e prerrogativas dos Desembargadores do TJDFT, dentre elas a da vitaliciedade (art. 95 CF).
Tal garantia assegura que os membros dos tribunais de contas só possam perder o cargo por decisão judicial transitada em julgado. Todavia, entre as sanções disciplinares administrativas lhes pode ser aplicada a de aposentadoria, com proventos proporcionais.
Assim, há uma expectativa no meio político, sobretudo dos deputados distritais que estão ansiosos para conquistarem a vaga de Lamoglia, de que o TCDF aplique a sanção de aposentadoria, abrindo a vaga para ser novamente preenchida por outrem.
Apesar da expectativa ter boas chances de se concretizar, como forma de se acelerar a retomada da vaga do conselheiro, recompondo a Corte que está desguarnecida com um de seus membros, em face do afastamento cautelar de Lamoglia, o fato é que essa manobra fere princípios constitucionais.
Com efeito, se há, na justiça, decisão, que, embora penda de recurso, declarando a nulidade da nomeação do Conselheiro Lamoglia, a aplicação da sanção de aposentadoria, pelo TCDF, estaria eivada de nulidade, ferindo de morte a moralidade administrativa.
Claro, se a nomeação foi nula por ausência do pressuposto subjetivo de idoneidade moral do conselheiro que já era investigado na Operação Caixa de Pandora quando foi nomeado para o cargo, da nulidade não derivam direitos, principalmente a sanção premial de aposentadoria compulsória que precisa ser extirpada do ordenamento jurídico.
Ora, se a nomeação é nula, por ser imoral, não se pode, pela via reflexa, fechar os olhos para tal situação, perpetuando uma imoralidade como prêmio: a aposentadoria.
Ademais, frisemos que o regime constitucional brasileiro só permite que os membros dos Tribunais de Contas se aposentem com as garantias do cargo, se o tiverem ocupado por, pelo menos, cinco anos, o que não é o caso, pois Lamoglia ocupou o cargo por apenas alguns meses, tendo sido afastado, cautelarmente, do exercício das funções por decisão do STJ (AP 707) e do TCDF (PA 410.70/2009).
Apesar dos interesses políticos que circundam o caso, da presunção de inocência que deve ser respeitada, tomara que impere a Constituição e seus princípios da legalidade e da moralidade para que não se perpetue uma refeição tão comum no meio político: Pizza!
*Denise Vargas é Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP (2010). Especialista em Direito Constitucional (IDP – 2007) e em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes – RJ (2003). Professora e Advogada Consultora nas áreas de Direito constitucional, administrativo e eleitoral.