Artigo | O futuro dos jogos de azar no Brasil – a votação do PL 442/1991

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Por Ricardo de Paula Feijó [1] e Daniel Maffessoni Passinato Diniz [2]

Os jogos de azar são milenares, tal qual o gamão. As manifestações artísticas populares refletem o desejo de muitos povos acerca da atividade de apostas e no Brasil não é diferente.  Como exemplo, no século XIX, a criação do Jogo do Bicho pelo Barão de Drummond (então proprietário do zoológico do Rio de Janeiro).

Há muito tempo, portanto, se observa e discute no Brasil a respeito dos cassinos e de sua proibição, sendo essa discussão sempre mais intensa quando o país atravessa momentos de crise. Por estarmos em um momento de dificuldades econômicas, o tema da liberação dos cassinos e dos jogos de azar está novamente em pauta.

A grande novidade no tema são os andamentos recentes do Projeto de Lei 442/1991, que busca regulamentar a exploração dos jogos de azar em todo o país. Depois de muitos anos parado, o PL voltou a movimentar em 2021, com a criação de um Grupo de Trabalho pelo Presidente da Câmara dos Deputados, para aprimorar o projeto.

O resultado foi a apresentação de uma nova proposta de lei e a aprovação do regime de urgência no final de dezembro de 2021, sendo, com isso, muito provável que a discussão do projeto pelo plenário da Câmara dos Deputados ocorra já em fevereiro do ano corrente. A seguir indicamos, ainda que brevemente, os pontos mais importantes desse novo PL.

A principal alteração em relação aos demais projetos existentes é a previsão de que os jogos de azar constituem uma atividade econômica privada sujeita à livre iniciativa e ao controle do Estado. Não se trata mais de um serviço público, tal como as loterias. Essa nova caracterização da atividade torna o regime jurídico dos jogos de azar mais aberto para inovações e menos restrito por ideias arcaicas. É uma importante mudança para permitir um projeto sério e competitivo.

Apesar de não ser serviço público, o Poder Público ainda vai manter intenso controle e fiscalização sobre as atividades relacionados com os jogos de azar. Caberá ao Estado a formulação de uma política nacional para organizar o mercado, bem como emitir normas para regulamentar, controlar e fiscalizar essa atividade. No exercício dessa função, deverão ser emitidas normas para, dentre outros assuntos, prevenir e tratar os transtornos e comportamentos associados aos distúrbios com jogos e apostas, proteger os jogadores contra práticas abusivas e prevenir o uso de jogos para práticas de crimes, como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

Além disso, o Poder Público irá licenciar as empresas que pretendem explorar jogos e registrará as pessoas que serão agentes de jogos e os estabelecimentos em que ocorrerá a exploração dessa atividade.

Portanto, será realizado o controle sobre as empresas que desejarem explorar jogos de azar, sendo necessário comprovar requisitos que demonstrem a idoneidade e seriedade das empresas. De igual modo, o PL prevê requisitos mínimos para que uma pessoa possa exercer função de coordenação, condução ou mediação de jogos, tal como a aprovação prévia em exames de certificação técnica e ética e a comprovação de não possuir condenação por determinados crimes, como lavagem de dinheiro e improbidade administrativa.

As licenças poderão ser concedidas em caráter permanente ou de forma provisória. Elas serão limitadas a um número máximo de operadoras, que estarão condicionadas à atuação em zonas de jogos previamente definidas, e devem ser precedidas de leilões ou outras formas de disputas pelas licenças.

Quanto às modalidades de jogos, o PL prevê a autorização para explorar as seguintes atividades: (1) jogos de cassino; (2) jogos de bingo; (3) jogos de vídeo bingo; (4) jogos on-line; (5) apostas turfísticas; e (6) jogo do bicho.

Em sua versão mais recente, o PL não tratou das apostas esportivas, que é uma modalidade de loteria prevista na Lei 13.756/2018 e pode ser explorada tanto pela loteria federal quanto pelas loterias estaduais.

O PL prevê que os cassinos serão explorados exclusivamente junto a complexos integrados de lazer, construídos especificamente para esse fim. Entende-se como complexo de lazer hotéis com, pelo menos, 100 quartos, locais para realização de reuniões e eventos sociais, restaurantes e bares, e centros de compras. O cassino ocupará, no máximo, 20% da área total construída do complexo de lazer.

Os Estados com mais de 25 milhões de habilitantes, como São Paulo, poderão ter 3 cassinos. Já os Estados com mais de 15 milhões (Minas e Rio de Janeiro) poderão ter dois cassinos e os demais Estados poderão ter apenas um cassino em seu território.

Caberá aos Estados e Distrito Federal indicarem a localidade do cassino, que será posteriormente avaliado pelo Poder Executivo Federal. A decisão quanto à escolha do local deverá privilegiar a localização que incrementar a indústria do turismo.

O credenciamento do cassino será realizado por meio de leilão público, de acordo com a melhor oferta. O seu prazo será de 30 anos, renovável por igual período.

Por sua vez, as casas de bingo poderão explorar bingo de cartelas ou bingos eletrônicos, incluindo vídeo-bingos. Elas poderão possuir, no máximo, 400 máquinas. O PL admite uma casa de bingo para cada 150 mil habitantes no Município em que o estabelecimento funcionar. Cada casa terá uma autorização pelo prazo de 20 anos, renovável por igual período.

Ainda, poderão ser explorados o bingo eletrônico e o vídeo-bingo em estádios com capacidade acima de 15.000 torcedores ou em jóqueis clubes. Essa é uma novidade que permitirá uma fonte de receita alternativa para os clubes esportivos e para os Jóqueis Clubes brasileiros.

Já o jogo do Bicho poderá ser explorado sem limitações de operadores, mas ele será limitado ao território do Estado em que se localiza o operador. Isto é, uma casa de jogo do bicho do Paraná não poderá aceitar apostas de outros Estados. O jogo do bicho será autorizado pelo prazo de 20 anos, renovável por igual período.

Quanto aos jogos de azar on-line, sua exploração será regulamentada pela Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia. Ou seja, não há muita definição sobre o tema no PL.

O PL prevê ainda uma série de obrigações para os operadores de jogos para garantir a licitude e idoneidade da exploração dos jogos de azar. Seguindo padrões internacionais, exige-se intenso controle e transparência sobre as informações financeiras e técnicas, para garantir a fiscalização adequada e impedir a prática de crimes.

Além disso, o projeto possui capítulos específicos tratando de regras a respeito do Jogo Responsável, da publicidade, e da prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo internacional. Com isso, busca-se prevenir a prática de atos normalmente associados com a exploração de jogos de azar.

No que diz respeito à tributação, o PL prevê a instituição de uma CIDE-JOGOS, que é uma contribuição de intervenção no domínio econômico, cujo valor é de 17% sobre a receita bruta auferida pela exploração dos jogos. A receita bruta é o resultado da diferença entre o valor arrecadado e o valor pago em prêmios.

Os valores arrecados terão a seguinte destinação:

  • 10% para Embratur
  • 10% para financiar programas e projetos na área do esporte
  • 6% para financiamento de programas e ações no âmbito da Política Nacional de Proteção de jogadores e apostadores
  • 6% para financiar programas e ações de saúde relacionadas a ludopatia
  •  6% para o Fundo Nacional de Segurança Pública
  • 10% para o Fundo Nacional da Cultura; e 6% para o fundo Nacional da Criança e do Adolescente
  • 20% para o Fundo de Participação dos Estados
  • 20% para o Fundo de Participação dos Municípios.

As casas de apostas também deverão pagar uma Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas (TAFIJA), que é um valor fixo trimestral de acordo com a modalidade explorada. Por exemplo, os bingos pagarão 20 mil reais e os cassinos 600 mil reais. Esse valor é destinado para financiar a fiscalização dessas atividades.

Já os prêmios cujo valor seja superior a dez mil reais serão tributados com imposto de renda de 20%.

Esse é o panorama geral da versão mais recente do PL 442/1991. A partir da discussão em plenário, muitas mudanças deverão ocorrer.

Entendemos que a mudança mais relevante que deve ocorrer é a alteração da limitação de cassinos e bingos por Estados. Essa é uma sistemática que não privilegia a iniciativa privada e a livre concorrência nem resolve o problema do jogo ilegal. Autorizar poucos cassinos não gera incentivos para o desenvolvimento da indústria, não atende ao mercado consumidor e não suprime o mercado ilegal, tornando-se uma medida insuficiente para os objetivos do PL. Por isso, imprescindível que o PL deixe de prever limite para número de cassinos e apostas.

Diversas outras mudanças são necessárias para aperfeiçoar o PL e garantir que ele efetivamente regulamente os jogos de azar de forma a garantir a prevenção da lavagem de dinheiro e do jogo patológico, ao mesmo tempo em que proporciona ambiente adequado para o desenvolvimento dessa atividade.

Nos próximos meses, o debate político sobre o tema será incandescente e cabe ao público estar atento às discussões e contribuir para essa pauta tão sensível e relevante, que pode atrair investimentos, gerar arrecadação, inovação e fortalecer diversos setores da indústria brasileira.

[1] Advogado. Mestre em Direito do Estado (UFPR). Autor do Livro Regulação dos Jogos de Azar e das Loterias no Brasil e de diversos artigos jurídicos.

[2] Advogado. Professor de Direito Empresarial.

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